Chicago - Verticalidade

Bairros vibrantes, arte em cada esquina, música com história, multicultura nas gentes e à mesa. E a impressionante arquitectura: alta, robusta, distinta, icónica. É a Melhor Grande Cidade para visitar nos EUA (garante pelo terceiro ano seguido a revista Condé Nast Traveler). Tudo flui na maior cidade do estado do Illinois.

Amor pelas alturas

Olha-se muito para cima na terceira maior cidade dos EUA. É inevitável. Alguns edifícios são espelhados e arranham os céus (um deles, a Willis Tower, foi o mais alto do mundo entre 1974 e 1998). Dispersam-se pela Downtown e todos têm histórias para contar. Assim como a vida que corre à nossa frente. Agitada, de manhã à noite, mas abraçada pela amabilidade desta população que chega quase aos três milhões.

No ar fica a sensação de a cidade ter apenas um caminho: crescer. O espírito de progresso emana em cada bairro. E são as gentes multiculturais que os moldam e que os reinventam. Desde casas funerárias convertidas em residências artísticas a espaços que simbolizam o século XXI, juntando arquitetura, artes visuais, música e atividades em família num só lugar.

A arquitetura e a arte pública manifestam-se com força. Chicago representa um povo respeitador de todos os seus atributos. Chamam-lhe a Cidade num Jardim, tal é o carinho dado à botânica local (“Urbs in horto”, um dos motes oficiais). O Lurie Garden, por exemplo, homenageia a transformação de um pântano numa inovadora urbe verde, com plantas vindas de vários pontos do estado, do resto da América do Norte e do Japão.

A música também aromatiza os sopros que se respiram. Estamos num dos berços dos blues. Uma história iniciada com a migração do Sul, que subiu o rio Mississippi, ligado à cidade por canais desde meados do século XIX. E depois há o rio Chicago, que atravessa a cidade que lhe dá o nome e comunica com os edifícios, em estreita ligação com a arquitetura e as pessoas. Ele vai ao encontro do lago Michigan, a grande língua marítima que banha toda a costa urbana e oferece praias e longas pistas de corrida. Como pano de fundo, no Navy Pier, uma réplica da montanha russa apresentada na Feira Mundial de Chicago em 1893. Um símbolo que também é uma das quatro estrelas inscritas na bandeira da cidade, a par da que comemora a Century of Progress International Exposition de 1933 e o histórico Fort Dearborn. A outra delas corresponde a uma memória trágica: o Grande Incêndio de 1871, que no entanto espoletou uma era protagonizada por construções modernas e arquitetos inovadores vindos de outros pontos da América do Norte e da Europa, que a modificaram para sempre. O caminho faz-se para cima.

Comunidade + identidade

Há um mural que se prolonga pela 16th Street do bairro de Pilsen, no Lower West Side de Chicago. É composto por pinturas que expressam os maiores ideais mexicanos: a religião, a ética de trabalho e a educação. Pilsen apresenta-se como um lugar predominantemente latino, resultado da forte migração que chegou à cidade no século XX. Está lá uma das maiores coleções de arte mexicana do país, no National Museum of Mexican Art, e vendedores de rua e lojas com janelas redondas com motivos pátrios. “A arquitetura conta a história dos bairros”, explicam-nos. E este, cuja herança vem da classe operária, “mantém-se o mesmo, mas muda também”. Antes chegaram irlandeses, polacos, ucranianos e checos (Pilsen é o nome de uma cidade na Checoslováquia). Em 1892, John Dusek fundou um salão de encontro para a comunidade checoslovaca. Chamou-lhe Thalia Hall (a partir da deusa grega do entretenimento) e hoje continua a desdobrar-se numa série de valências, de que se destaca a sala de espetáculos inspirada na Ópera de Praga.

Em cada bairro, uma identidade. No entanto, prevalece o espírito de comunhão. Estendemos a premissa à grande comunidade sueca de Andersonville, representada pelo Swedish American Museum e pela estátua do cavalo Dala. Encontram-se na North Clark Street, entre inúmeros cafés, restaurantes e lojas. O charme de uma cidade pequena. E um porto seguro para a comunidade LGBTQ, tal como Lakeview, mais conhecida por Boystown. Aí os proprietários pintam as fachadas dos espaços com as cores do arco-íris para se integrarem no mais antigo bairro gay dos EUA.

A sul, Hyde Park, lugar da Feira Mundial no final do século XIX, reside o campus da Universidade de Chicago, notória pelo seu estatuto sério e cercada, entre outros, pela Capela Rockefeller e pela Robie House, do arquiteto Frank Lloyd Wright, Património Mundial da UNESCO. Ao lado desta, a Booth School of Business homenageia no seu traço a construção daquela casa projetada por Wright e inspira-se nos arcos da capela em frente, que projetam a luz natural. Edifícios que comunicam entre si, numa cidade que evolui em harmonia.

Música com alma

“Go Johnny go” canta Chuck Berry enquanto a guitarra range num dos primeiros sucessos do rock ‘n’ roll, “Johnny B. Goode” (1958). Diz-se que o contrabaixista e produtor Willie Dixon obrigou Berry a fazer 14 takes da canção. Talvez toda a garra venha dessa exigência. Ouvimo-la na mesma sala onde foi gravada, nos estúdios da editora Chess Records, e onde se instalou, nos anos 90, a Willie Dixon’s Blues Heaven Foundation – o único museu dedicado aos blues em Chicago. A fundação foi financiada por parte dos lucros da canção “Whole Lotta Love” dos britânicos Led Zeppelin, que plagiaram a letra de “You Need Love”, que Muddy Waters registou aqui. Atualmente é também um centro que ensina músicos sobre direitos autorais e alberga programas para entusiastas dos blues. Em sintonia com o programa 2020 – O Ano da Música em Chicago, está a angariar dinheiro para concretizar o sonho de Willie Dixon: reabrir este estúdio do número 2120 da South Michigan Avenue, que entre as décadas de 50 e 60 eternizou artistas essenciais.

Um deles, Muddy Waters, outro bluesman vindo do Sul, do Delta do Mississippi, para trabalhar nas fábricas, eletrificou o estilo. Só assim, na ruidosa Chicago, se faria ouvir. Porém, foi igualmente responsável por desligar a ficha, no LP Folk Singer. O estúdio da Chess mostra uma imagem de Waters, Dixon e Buddy Guy nas sessões desse disco clássico dos blues que realça o eco natural produzido pela sala, captado apenas com dois microfones. Nestas paredes marcadas pela transversalidade musical ressoou também uma das vozes da editora Motown, Fontella Bass. E aqui Pigmeat Markahm registou a prova de que o hip-hop nasceu mesmo em Chicago, com a gravação em 1968 (sim, 1968!) de “Here Comes the Judge”, longínquo antecedente do rap.

Hoje são rappers como Kanye West, Lupe Fiasco ou Common que prolongam o ritmo da cidade onde também nasceu a house music nos anos 80. Ou bandas como os Tortoise, que misturam jazz, eletrónica e o kraut rock alemão. Há quem denomine esta combinação por pós-rock. Os Sea and Cake integram todos esses elementos, mas somam a pop e a bossa nova. Até na música Chicago vai mais acima.

Em expansão

No século XIX, Chicago beneficiava de ser um importante entreposto comercial no meio do continente americano. A ligação ao rio Mississippi e a chegada dos caminhos de ferro tornaram- -na uma boom town. O Grande Incêndio de 8 de outubro de 1871, que demorou dois dias, deitou tudo por terra. Mas o potencial deste local estratégico levou a que empreendedores e investidores a quisessem reconstruir imediatamente. Assim como jovens e inovadores arquitetos e engenheiros que tinham ideias revolucionárias de como construir edifícios. Desde aí, a cidade foi uma tábua rasa para criativos norte-americanos como Louis Sullivan, Frank Lloyd Wright ou Daniel Burnham. No final de 1870 começam a experimentar-se prédios altos com estruturas de metal.

Se se percorrer o rio fica-se a conhecer bem os resultados. É um desfile de construções que narram a história do skyline. Desde edifícios neoclássicos, inspirados no Renascimento, como o Wrigley Building (1924), pelos arquitetos Graham, Anderson, Probst & White, à filosofia “menos é mais” trazida pelo alemão da escola Bauhaus, Ludwig Mies van der Rohe, que reagiu aos arranha-céus defendendo que o exterior não necessita de ornamentação histórica (veja-se a torre de metal e de vidro AMA Plaza, de 1971). Pelo meio, o número 35 de East Wacker Drive, mais conhecido por Jewelers Building, que coincidiu com a guerra dos gangsters liderada por Al Capone (Giaver and Dinkelberg desenharam um elevador que transportava em segurança os bens dos comerciantes de joias ali instalados). Já Bertrand Goldberg, aluno de Mies van der Rohe, é o autor da Marina City (1967), dois edifícios que se assemelham a espigas de milho: “Uma cidade dentro de uma cidade”, para que as pessoas se mantenham nelas, com residências, escritórios e entretenimento.

Chicago é uma autêntica lição de arquitetura. E um grande exemplo de integração. Com o crescimento de edifícios junto ao rio, foram construídas pontes, parques e passeios ribeirinhos. Um lugar onde todos são bem-vindos.

Um dia com génios

No icónico filme dos anos 80 Ferris Bueller’s Day Off multiplicam-se os cenários de Chicago. O passeio de Ferrari pela Lake Shore Drive, com o cameo do arranha-céus John Hancock Center ao fundo, a parada em South Dearborn Street, o jogo dos Cubs no Wrigley Field. O realizador John Hughes chamou a esta comédia adolescente a sua “carta de amor à cidade”. Uma das cenas mais marcantes é a visita do trio protagonista ao Art Institute of Chicago (AIC). Os dois leões que, no início da cena, vemos na escadaria, continuam a vigiar o edifício e os milhares de tesouros artísticos cuja morada oficial é ali mesmo.

Avisamos que quatro horas não são suficientes para se perder nesta viagem. Vai-se querer tempo para desfrutar de Nighthawks (1942), de Edward Hopper, e para analisar os pontos coloridos que compõem a emocionante tela Un Dimanche Après-midi à l’Île de la Grande Jatte (1884), do impressionista Georges Seurat. Estão lá todos os artistas, todas as épocas, todos os movimentos. Incluindo o pintor português Amadeo de Souza-Cardoso que, na ala dedicada à arte moderna internacional, faz companhia a Picasso, Duchamp ou Matisse. Uma perdição! E, quando achamos que vimos tudo, tropeçamos em O Quarto (1889), de Van Gogh, ou em Greyed Rainbow (1953), de Pollock, para nos cortar a respiração outra vez. Os vitrais America Windows (1977), obra-prima de Chagall, carimbam-nos o certificado de privilegiados.

No exterior, os chicagoans também são sortudos. A poucos metros do AIC respira-se arte no Millennium Park, um museu ao ar livre que interage com as pessoas e a arquitetura. O espelho gigante da escultura Cloud Gate de Anish Kapoor brinca com reflexos. Além do “feijão” do artista indiano-britânico, há a obra interativa Crown Fountain, de Jaume Plensa, e a peça central do parque, o Pritzker Pavillion, de Frank Gehry, casa da Grant Park Symphony Orchestra.

O Loop é a área mais movimentada da cidade. Se estiver de frente para uma rua transversal a South Michigan Avenue, os edifícios, os peões, os carros e o comboio na ponte formam uma moldura urbana singular. A vida a imitar a arte?


Por Miguel Simões © up-tap inflight magazine


(Consulte o artigo na Revista in UP, edição de novembro de 2019)

 

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